Olá! Como você tá? Nesta edição de As Bacantes do Tietê, irei comentar sobre as peças: As Bacantes; Cais; Nossa História com Chico Buarque e Visitando o Sr. Green. Além disso, também vou trazer uma dica de leitura!
AS BACANTES (405 a.C.), de Eurípedes [Núcleo TUSP, 2024]
Não tem jeito, se você desafiar a autoridade de um deus, ele irá se vingar de você com grande requinte de crueldade e incluindo sua família como dano colateral. É basicamente isso o que acontece nas tragédias gregas e não seria diferente em As Bacantes (eu não poderia deixar de assistir essa peça, né?). O jovem rei de Tebas, Penteu (interpretado por Loic Daimiani), proíbe o culto ao deus Dióniso (Mau Ribeiro / Beatriz Nauali) não acreditando na legitimidade da divindade que, por um acaso, é também seu primo. Durante o período dos rituais báquicos, Dióniso enfeitiça as mulheres de Tebas e assume a forma humana disfarçando-se de sacerdote para enganar Penteu e levá-lo até o monte Citéron onde o rei encontrará com seu destino final.
Esta peça foi realizada pelo Núcleo do Teatro da USP (TUSP), dedicado a práticas de pesquisa e montagens anuais sendo As Bacantes o texto escolhido para 2024 - em anos anteriores, as práticas foram ao redor de Pedro Páramo (em 2023) e A Vida de Galileu (2022). A montagem de As Bacantes mescla uma sensação de fascínio e terror, principalmente a partir do coro que lhe dá seu título. Em estado constante de transe, elas parecem tão insanas quanto ameaçadoras, refletindo o medo que a masculinidade têm do desejo feminino e seu poder libertário. É impossível não ficar admirado com o trabalho corporal das atrizes (a partir da preparação de Ana Carolina Salomão) e com o trabalho vocal, principalmente quando elas começam a entoar cânticos em grego. Também é interessante notar que a única figura a sair completamente ilesa da tragédia é o profeta Tirésias (Natália Martins), uma personagem que, assim como Dióniso, transitou entre o gênero masculino e feminino ao longo de sua vida.
A montagem de As Bacantes fez duas apresentações no Teatro da USP (TUSP - Maria Antônia) nos dias 08 e 09 de fevereiro.
CAIS (2012), de Kiko Marques [Velha Companhia]
Quando a Velha Companhia estreou a peça Cais, ou da Indiferença das Embarcações no Instituto Capobianco em 29 de outubro de 2012, nenhum membro do elenco ou seu próprio autor-diretor esperavam que doze anos depois o espetáculo seria um sucesso de público e crítica - praticamente um clássico do teatro paulistano no século 21. Aos poucos, a peça ganhou o público por meio do boca-a-boca, críticos teatrais e outros espectadores chegaram a competir entre si para ver quem já assistiu ao espetáculo mais vezes. Não é à toa que os ingressos para esta temporada realizada no TUSP - Butantã tenham esgotado em menos de dez minutos.
Narrado pelo barco Sgt. Evilázio, o enredo é um épico que acompanha três gerações de duas famílias residentes na Ilha Grande ao longo de 1931 a 1997, registrando as mudanças que ocorreram na ilha em decorrência de sua urbanização. Entre idas e vindas no tempo, a trama é situada em um cais, ponte entre o mar e a terra firme; e ocorre sempre nos dias que antecedem a virada do ano, ponte entre o passado e o futuro. Testemunhamos histórias de amor, amizade e rancor entre os moradores de uma vila, com um destaque especial para a violência masculina que produziu cicatrizes naquelas pessoas, além dos traumas geracionais.
Ainda que o cenário do cais seja bastante chamativo, é muito interessante reparar na simplicidade da encenação: dois músicos realizam a trilha musical ao vivo enquanto o elenco muitas vezes atua como um coro e participa na produção dos efeitos sonoros ou da manipulação de fantoches. Esta simplicidade acaba por dar destaque a dramaturgia do espetáculo, que possui as melhores características dos folhetins brasileiros (sejam eles literários ou televisivos): momentos trágicos se mesclam com momentos cômicos e divertidos, outras vezes o lirismo se sobressai para encantar o público.
E dá destaque também ao seu elenco. É um privilégio poder assistir atores e atrizes que, ao longo dos doze anos que se passaram desde a primeira temporada, parecem ter afinado seus instrumentos cuidadosamente. Além disso, é uma raridade ver “peças de prosa” com um elenco tão numeroso e fazendo parte do jogo teatral como um time. O melhor exemplo desse tipo de entrosamento se torna evidente no epílogo da peça, quando todos se reúnem ao redor do cais para ouvir o barco contar uma piada a sua companheira: não é uma piada engraçada, mas era possível ver os atores sorrindo; o prazer daquilo, na verdade, está na possibilidade de assistir seus colegas naquilo que sabem fazer de melhor e na certeza de que uma boa peça sobrevive a qualquer naufrágio.
A nova temporada de Cais estreou no TUSP - Butantã em 07 de fevereiro. A última apresentação ocorrerá hoje às 16h. A bilheteria abre às 15h para os ingressos remanescentes serem retirados gratuitamente, sendo que a fila de espera começa a se formar espontaneamente por volta das 14h.

NOSSA HISTÓRIA COM CHICO BUARQUE (2024), de Rafael Gomes e Vinicius Calderoni
Nossa História com Chico Buarque é um musical “jukebox”, ou seja, utiliza músicas pré-existentes para criar uma narrativa nova - um bom exemplo desse “formato” é o musical Mamma Mia!. Ainda que tenha sido escrito como uma homenagem ao aniversário de 80 anos do compositor e cantor, o espetáculo não é uma biografia. A dupla de dramaturgos descreve a história como um “épico íntimo” cuja trama acompanha a história de duas famílias ao longo de 54 anos, detendo-se nos anos de 1968, 1989 e 2022 - através da história dessas famílias, a História do Brasil também é narrada, enquanto as canções trazem luz às emoções e sensibilidades vividas pelas personagens (o próprio Chico é apenas citado como uma figura proeminente na vida daqueles cariocas).
Rafael e Vinicius argumentam que Chico Buarque é o letrista que melhor soube representar as emoções e eventos de cada tempo histórico vivido pelo país ao longo das décadas: versando tanto sobre o momento político (o macro); quanto a intimidade e costumes cotidianos (o micro). Então o ano de 1968, marcado por diversos protestos, assassinatos a estudantes e a publicação do AI-5 irá tematizar o período vivido sob a ditadura militar (1964-1985) em especial os “anos de chumbo”. Neste ano, Carolina (Luísa Vianna), a filha mais nova da família, se torna amiga de Beatriz (Larissa Nunes), então namorada de seu irmão. A amizade das duas faz com que Carolina comece a “sair de seu casulo”, no qual idealiza apenas casar e ser uma dona de casa, passando a abrir os olhos para o mundo.
Depois, o espetáculo se aprofunda na vida íntima das personagens. A surpresa vem em 1989: Carolina (Laila Garin) e Beatriz (Heloísa Jorge) se reencontram e, enquanto o país passa pela redemocratização, o amor entre as duas floresce. Mais do que a História de um país, este musical é a história de amor entre duas mulheres. Se Nossa História com Chico Buarque captura a atenção dos espectadores ao posicionar-se como um canto contra o regime, o desabrochar deste romance é o momento em que ele encanta o público. Com isso, o espetáculo parece fugir do óbvio ao oferecer uma história de amor que, no fim das contas, deveria ser tão singela e tenra como qualquer outra. É interessante reparar como a trama prepara o terreno cuidadosamente, fazendo aqueles que vieram para escutar um bom Chico Buarque se percebam torcendo por um final feliz para Carolina e Beatriz.
Nossa História com Chico Buarque estreou em 02 de fevereiro no Teatro Paulo Autran (Sesc Pinheiros) e segue em cartaz até dia 28 de fevereiro. Os ingressos para as últimas sessões estão esgotados (mas dá pra tentar a “fila da esperança” antes do espetáculo começar).

VISITANDO O SR. GREEN (1996), de Jeff Baron
Esta é a terceira montagem brasileira desta peça estadunidense. A primeira montagem estreou em 2000 com Paulo Autran, um dos maiores atores brasileiros, interpretando o Sr. Green e Cássio Scapin interpretando Ross sob a direção de Elias Andreato. A montagem foi um grande sucesso de público e rendeu tanto um Prêmio Shell quanto um APCA para Autran. Já em 2015, Scapin assumiu a direção na qual Sérgio Mamberti interpretava Green ao lado de Ricardo Gelli. Agora em 2025, Elias Andreato assume o papel de Green ao lado de Johnny Massaro, sob a direção de Guilherme Piva.
É um drama de conversação típico da dramaturgia estadunidense na qual basta dois personagens, uma sala de estar e alguma diferença a ser resolvida. A trama é bem simples: o jovem Ross é sentenciado a fazer visitas semanais ao Sr. Green, um judeu viúvo em seus 80 anos, após quase atropelar o idoso. Existe um estranhamento inicial entre os dois até o momento em o Sr. Green descobre que Ross também é judeu. A partir daí o idoso se abre para o jovem e passa a contar-lhe sua história de vida e como sua família migrou para os Estados Unidos fugindo de uma Europa antissemita. O relacionamento dos dois volta a ser abalado quando Ross acaba deixando escapar que é gay.
É interessante reparar como ainda existe certa atualidade nos temas da peça. Em 1996, ano de sua estreia, o mundo passava pelo giro mortal da AIDS, doença ocasionada pelo vírus do HIV e responsável não só por ceifar a vida de diversos jovens como também por escancarar a homofobia da sociedade - quando Sr. Green diz que homossexuais são sujos (proferindo os mesmos preconceitos que recaem sobre os judeus), é a essa pandemia que ele se refere. Ao mesmo tempo, historiadores argumentam que esta pandemia foi responsável por remover a homossexualidade do armário, era impossível fingir que gays não existiam, e as alianças formadas entre o Movimento LGBT com ONGs para lutar pelo direito à saúde foram responsáveis pelos avanços que a comunidade conquistou no decorrer do século 21. Neste contexto, a amizade entre um judeu ortodoxo e um rapaz homossexual seria algo inédito ao espectador.
Em 2025, a revelação de que Ross é gay já não vem como uma grande surpresa para os espectadores. Mas eu não preciso citar a nova administração de Donald Trump para demonstrar como os direitos de minoria alguma não estão garantidos: aqui em São Paulo, o vereador com mais votos em 2024 foi um jovem eleito com promessas de campanha voltadas exclusivamente a perseguição da população LGBT e seus primeiros projetos de lei apresentados este ano, no mesmo mês em que a cidade sofreu com alagamentos e quedas de energia por causa de temporais, são voltadas à exclusão de pessoas trans.
Talvez Visitando o Sr. Green tenha um efeito mais brando em seus espectadores nos dias atuais. Com 70 minutos de duração, os desentendimentos parecem ser resolvidos de maneira muito fácil. Mas enquanto parte da sociedade insiste em pavonear sua intolerância como uma medalha de honra, histórias como essa ainda fazem sua parte em disputar a aceitação de pessoas LGBTs. E não deixa de ser uma comédia adorável.
SERVIÇO
Onde? Teatro Renaissance (Alameda Santos, 2233 - Jardim Paulista, SP)
Que dias? Sábados às 21h; e domingos às 19h.
Até quando? 20 de abril (não haverá apresentações dias 01 e 02 de março)
Quanto custa? R$75,00 (meia-entrada) e R$150,00 (inteira)
Como posso comprar os ingressos? No website Olha o Ingresso ou na bilheteria do teatro (aberta de sexta à domingo das 14h até o início do espetáculo)

📖 Uma dica de leitura
Aqui, recomendarei textos de peças teatrais para você conhecer, além de textos teóricos sobre Artes Cênicas.
Os Arqueólogos (2018, Editora Cobogó), de Vinicius Calderoni
Esta é provavelmente uma das minhas peças teatrais favoritas. Foi a terceira peça escrita pelo dramaturgo e poeta paulistano Vinicius Calderoni. Na trama, dois narradores relatam episódios que ocorrem na praça de uma cidade no decorrer de uma tarde. O linguajar da dupla se assemelha ao jargão de comentaristas esportivos e as pessoas ao redor parecem não perceber a presença dos dois. A primeira encenação ocorreu em 12 de agosto de 2016 no Centro Cultural São Paulo (CCSP) / Sala Jardel Filho, como parte da II Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos - foi dirigida por Rafael Gomes e contou com Vinicius e Guilherme Magon interpretando os narradores (além da multidão de gente que passa pela praça).
Meu primeiro contato com essa peça foi lendo um exemplar do livro em dezembro de 2021 durante as férias de verão da faculdade; no finalzinho da quarentena. Já tinha ouvido falar da peça antes, mas nunca tinha assistido - ainda que eu já tivesse assistido a outros trabalhos de Vinicius. A leitura estava muito agradável e divertida (eu já conseguia me imaginar interpretando o narrador Albuquerque) até que, em determinado momento, meu corpo se jogou pra frente, tentando aproximar os olhos das páginas (sabe quando você está assistindo algo muito instigante e seu corpo se joga pra frente para se aproximar da tela de cinema ou do palco? Então, a mesma coisa, só que com um livro). Meus olhos tentavam ler tudo aquilo o mais rápido possível, tamanha a minha curiosidade para saber o que aconteceria no final. E eis que, na última linha de diálogo da peça, sou tomado por uma emoção profunda. As peças de Vinicius são assim, elas brincam com o absurdo do cotidiano e ao mesmo tempo mostram o lirismo das coisas pequenas mesclando com a dimensão Épica que a vida tem - você precisa ler (ou assistir) pra entender.
Meu corpo também se jogou para frente, tentando se aproximar do palco, quando assisti ao espetáculo pela primeira vez em 16 de fevereiro de 2022. Naquele momento, a peça foi encenada no TUSP - Maria Antônia como parte da comemoração de 10 anos da companhia Empório de Teatro Sortido, fundada por Vinicius e Rafael. É lindo, lindo, lindo, lindo, lindo. É encantador. Se eu fosse tentar definir sobre o que Os Arqueólogos fala, eu diria que é uma peça sobre empatia, sobre torcermos juntos pelo bem dos outros.
Felizmente a editora Cobogó publicou o texto dessa peça em 2018 para que a gente possa reler Os Arqueólogos sempre que nossa fé na humanidade minguar.
Quanto custa? R$52,00.
Como posso comprar? No website da Editora Cobogó.

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