Oiê! Tudo bem? Nesta edição, vou comentar sobre as peças Uma Coisa Engraçada Aconteceu a Caminho do Fórum, Gente é Gente?!, Não me Entrego, Não!, Realpolitik, Restinga de Canudos e Três Mulheres Altas.
UMA COISA ENGRAÇADA ACONTECEU A CAMINHO DO FÓRUM (1962); texto de Burt Shevelove e Larry Gelbart, letra e música de Stephen Sondheim
Este espetáculo musical é uma adaptação de um conjunto de farsas do dramaturgo romano Titus Maccius Plautus, que viveu entre os anos 200 a.C., sendo elas: Curculio (ou “O Gorgulho”), Pseudolus, Miles Gloriosus (Ou “O Soldado Fanfarrão”), Mostellaria (ou “O Fantasma”) - seus trabalhos são as primeiras obras literárias em latim que sobreviveram em sua integridade. Já Uma Coisa Engraçada Aconteceu a Caminho do Fórum direciona seu tom humorístico para o vaudeville; fez sua estreia em 8 de maio de 1962, permanecendo dois anos em cartaz e recebendo diversas remontagens tanto na Broadway como no West End, em Londres, além de uma versão cinematográfica. A montagem protagonizada por Miguel Falabella, atualmente no Teatro Claro Mais de São Paulo, marca a primeira versão brasileira do espetáculo.
A trama acompanha o escravo Pseudolus (Falabella), que busca obter sua liberdade. Certo dia, os mestres de Pseudolus partem em uma viagem deixando o filho Hero (Lucas Colombo) sob os cuidados do escravo. O jovem confessa estar apaixonado por Philia (Luci Salutes) uma cortesã virgem que acaba de ser vendida para um capitão do exército romano. O jovem garante que irá conceder liberdade a Pseudolus contanto que o escravo o ajude a conquistar a garota e desfazer o casamento arranjado. O que se sucede é uma série de trapalhadas e confusões de identidade, comprometendo o plano bolado por Pseudolus. Assim, o que se tem é uma comédia de erros típica, apresentando personagens muito próximos dos arquétipos já conhecidos pelo público brasileiro - o que seria Pseudolus se não uma outra personificação do João Grilo, de Ariano Suassuna?
Dirigida por Bárbara Guerra, a comédia musical cumpre com o que promete. Aos poucos a plateia começa a gargalhar com piadas de duplo sentido, algumas gags de humor físico, pequenas alusões a elementos da cultura pop e do cotidiano brasileiro. É um espetáculo divertido, sem dúvida; mas também não dá pra esperar muito mais do que isso - não existe alguma moral ao final da história, nenhuma reflexão sobre o estado das coisas atual, não é uma peça que vai ficar com você durante dias depois da sessão. Mas, às vezes, o divertimento basta por si só. Miguel Falabella é uma das melhores escolhas para o papel devido a um carisma particular; uma atuação mais malandra e, é claro, a sua conexão com um público conquistado após anos dedicando seu trabalho ao humor.
SERVIÇO
Onde? Teatro Claro Mais - Shopping Vila Olímpia (R. Olimpíadas, 360 - Vila Olímpia, SP)
Que dias? Quintas e sextas às 20h; sábado às 16h e às 20h; domingos às 15h e às 19h.
Até quando? 08 de junho.
Quanto custa? R$300,00 (Plateia Premium - inteira); R$200,00 (Plateia VIP); R$150,00 (Balcão Nobre); e R$39,00 (Balcão)
Como posso comprar os ingressos? Na bilheteria do teatro (10h às 22h de segunda a sábado e das 12h às 20h domingos e feriados) ou na Uhuu!
GENTE É GENTE?! (2025), de Claudia Barral
O que a adaptação de Claudia Barral nos apresenta é um Brecht que não tem muito a dizer. O espetáculo pretende ser uma “atualização” “brasileira” da peça Um Homem é um Homem (1926) do dramaturgo alemão. O texto original se passa na época da colonização da Índia pelos britânicos, quando um estivador é convencido por quatro soldados a juntar-se ao grupo deles - isso porque o quarto homem do grupo havia sido ferido e preso em um templo religioso cujo grupo de soldados tentou assaltar. O texto de Brecht procurava compreender de que maneira um civil amistoso poderia ser transformado em uma verdadeira máquina de guerra; como a personalidade de alguém poderia ser desmantelada e remontada da mesma forma que se faz com uma máquina ou em um processo de lavagem cerebral.
A adaptação de Claudia transforma o estivador em um motorista de aplicativo (como sabemos, uma profissão bastante precarizada; uberização; blá blá blá - nada disso é discutido no decorrer do enredo) e situa a história em um país que deve ser o Brasil, se formos levar em consideração o nome de seus personagens e o fato de que o templo religioso invadido pelos soldados é uma casa de Candomblé (a intolerância religiosa e o racismo também são pouco discutidos). A guerra na qual eles estão lutando? Não se sabe exatamente. Aliás, um dos personagens afirma exatamente isso: “eles não sabem por que estão guerreando”. Esse mesmo personagem, interpretado por Dagoberto Feliz, faz as vezes de um narrador; na abertura da peça ele afirma que seu enredo é confuso: imaginei que seria uma alusão à suposta complexidade das peças de Brecht, mas imagine minha surpresa ao perceber que a fala era na verdade uma muleta para justificar a bagunça que é o enredo e sua falta de conexão. (Aliás, uma boa montagem de Brecht jamais seria difícil de compreender).
Se ...a Caminho do Fórum não é um musical que tenha algo a dizer, pelo menos ele não tem a pretensão de sê-lo. Porém Gente é Gente?! queria dizer alguma coisa: o palavrório da carta de intenção publicada no programa parece indicar para isso. Seria uma peça sobre “o que constitui um laço”? Sobre a “mercantilização do afeto”? Sobre necropolítica, que decide quais vidas importam? Sobre a existência ou não do livre arbítrio? Um questionamento sobre a integridade do sujeito?
Eu costumo ser avesso a essa obrigação de que a arte tenha que dizer alguma coisa sobre o momento atual. Acho muito limitante que editais de fomento e de circulação exijam uma “Justificativa” para o espetáculo, apesar de ser necessária para saber que o dinheiro vai ser destinado a bons projetos. O problema é que, quando você vai montar um Brecht, você meio que precisa ter algo a dizer.
Na data de estreia da peça de Brecht, a Alemanha ainda se recuperava a duras penas da crise econômica ocasionada após a Grande Guerra, assim ainda que o enredo se passasse na Índia Colonial, uma narrativa anti-militarista teria alguma ressonância com os espectadores. O partido nazista, fundado em 1920, estava aos poucos penetrando na sociedade alemã, assim de alguma forma Brecht já se atentava para a cooptação de civis para um projeto totalitarista.
E na falta de uma Guerra (com G maiúsculo) recente na qual os brasileiros tenham sofrido na pele suas consequências, que alusão poderia ser feita para provocar os espectadores do Teatro Antunes Filhos a uma reflexão? Sei lá, penso talvez na “guerra às drogas” que mais serve para dizimar as populações periféricas e manter o proletariado na linha, sempre trabalhando na esperança de juntar dinheiro para fugir daquela realidade. Ou talvez o fato de que o governo de Jair Bolsonaro tenha promovido uma militarização em larga escala, ocupando diversos ministérios e secretarias federais. Nós também vivemos em um país no qual os militares torturadores seguem impunes até hoje; mas que pela primeira vez em nossa História, enfim temos militares réus em um processo civil por seu envolvimento na orquestração de um golpe de estado tentado e, felizmente, impedido. Nada disso se materializou na adaptação de Claudia; muito menos na direção de Marco Antônio Rodrigues.
“Gente é Gente?! “ iniciou sua temporada no Teatro Antunes Filho (Sesc Vila Mariana) no dia 29 de março, onde permanece em cartaz até dia 04 de maio. Os ingressos podem ser adquiridos em qualquer unidade no Sesc ou online, pela Central de Relacionamento Digital.
NÃO ME ENTREGO, NÃO! (2024), de Flávio Marinho
Aos 91 anos de idade e 73 de carreira, o ator bahiano Othon Bastos faz parte de um panteão de artistas veteranos do Teatro Brasileiro que ainda estão em atividade. Ao lado dele encontramos nomes como Fernanda Montenegro, Renato Borghi, Nathália Timberg, Teuda Bara e Marieta Severo (para citar alguns). Ele comanda o espetáculo Não me Entrego, Não!, um “monólogo” escrito e dirigido por Flávio Marinho, cuja narrativa percorre justamente esses 73 anos de trabalho no teatro e cinema.
A inspiração para esta empreitada surgiu quando Othon assistiu ao espetáculo musical Judy, O Arco-Íris é Aqui (2022) no qual Luciana Braga entrelaçava a história de vida de Judy Garland com sua própria trajetória na atuação. Assim, Othon escreveu por volta de 600 páginas com suas memórias que foram lidas atentamente por Flávio para condensá-las nos 100 minutos de duração do espetáculo. Um “monólogo” que narra exclusivamente as memórias do artista em cena, pode parecer um projeto um tanto pretencioso ou autoindulgente, mas esse não é o caso. O que o público encontra é uma história deliciosa de se acompanhar, muito pela maneira bem humorada com a qual é narrada por seu protagonista.
É um clichê. E como muitos clichês, não deixa de ser verdade: não existe nada melhor que assistir um espetáculo comandado por um ator veterano que passou décadas afiando sua técnica. A comunicação que Othon tem com a plateia é excelente: desde sua entrada, ficamos vidrados com as histórias que ele tem para nos contar. Ele alterna momentos de riso frouxo com momentos de reflexão e, até, de sentimentalismo. Sério, não tem nada mais bonito que ouvir um homem dizer que o segredo para a longevidade de seu casamento (no caso, quase 60 anos ao lado da atriz Martha Overbeck) está em “amar e escutar”.
Se escrevo “monólogo” entre aspas é porque Não me Entrego, Não! faz uso das linguagens deste gênero dramático ao mesmo tempo em que possui a presença de uma segunda personagem, a Memória (interpretada por Juliana Medella, também assistente de direção da peça). No decorrer do espetáculo, ela interrompe a narrativa para trazer informações adicionais e um pouco de contexto às figuras e eventos que Othon descreve - um dispositivo muito similar ao Phanton, “papel” desempenhado pelo jornalista Guilherme Samora na publicação da autobiografia de Rita Lee. Juliana também serve como o ponto de Othon, nos raros momentos em que alguma palavra escapa ao ator.
O espetáculo acompanha momentos marcantes da trajetória de seu protagonista-narrador. Começando por uma recusa em se tornar artista (motivada por uma situação ocorrida durante o Ensino Fundamental 1) e como seus primeiros papeis sempre foram em substituição a alguém, não tinham nomes próprios, eram simplesmente parte de um coro ou até mesmo eram figurações silenciosas. Othon narra esses supostos fracassos com muito humor, mostrando que a fase inicial da trajetória de qualquer artista passa mais por momentos de baixos, que altos. Ele conta episódios de sua primeira incursão no cinema, conta a maneira que o cineasta Glauber Rocha o convidou para participar de Deus e O Diabo na Terra do Sol. Passa por sua trajetória no Teatro Oficina e sua recusa em ficar nu, quando Zé Celso começou a ter ideias esquisitas. E também lembra dos espetáculos que produziu e atuou durante a ditadura militar, mostrando que, no fim das contas, para ser um artista de teatro é necessário muita resiliência. Se entregar, não é uma opção.
Seja como o protagonista, seja como um “coadjuvante de luxo” (como foi chamado algumas vezes) a trajetória de Othon Bastos na atuação se mescla com a História do Teatro e do Cinema Brasileiro. Assim, talvez ele seja o tespiano perfeito para acompanharmos ao longo dessa epopeia. Por isso, ainda que a Editora Cobogó tenha publicado o texto do espetáculo no formato de um livro, penso que as 600 páginas escritas por Othon como argumento para Não me Entrego, Não! também poderiam ser editadas e revisadas para compor um livro de memórias trazendo tudo o que porventura havia sido deixado de lado na narrativa do espetáculo.
“Não me entrego, não!” iniciou sua temporada no Teatro Raul Cortez (Sesc 14-bis) no dia 20 de março e permaneceu em cartaz até 21 de abril. O espetáculo fará uma turnê por diversas cidades do Brasil, para mais informações acompanhe o perfil da peça no Instagram. O texto do monólogo foi publicado pela editora Cobogó e você pode adquiri-lo aqui.
REALPOLITIK (2024), de Daniela Pereira de Carvalho
Assistir Realpolitik me deixou instigado: como é que essa história foi capaz de passar sete meses em cartaz se mantendo apenas com a bilheteria? Mais ainda: como essa história foi capaz de passar sete meses em um espaço do Teatro B32, situado no miolo da Av. Faria Lima, centro financeiro de São Paulo? Me explico. É que a trama se inicia com a chegada de um jornalista (Zacchi), repórter de um veículo de notícias do mercado financeiro, para entrevistar o CEO (Pedro Osório) de uma mineradora nacional poucos meses após uma tragédia aos moldes das de Mariana, perpetrada pela Samarco; e de Brumadinho, perpetrada pela Vale. Isso durante os 5 minutos iniciais…
…porque o jornalista rapidamente saca uma arma e revela suas verdadeiras intenções: ele está ali não só para matar o CEO da mineradora, como também para explodir o edifício inteiro, mas antes ele quer que o CEO confesse que o ocorrido foi um crime humano e ambiental. O que se inicia, então, é um debate ao redor da responsabilidade de grandes empresas por seu trabalho extrativista e a necessidade dessa atividade permanecer em vigor, assim como as justificativas utilizadas para defender essa questão.
É interessante reparar os espaços no qual o espetáculo foi apresentado ao longo de sua trajetória. Sua primeira e segunda temporada paulistana ocorreram em um hub no subsolo do Teatro B32 que, apesar do nome, ainda é mais um espaço para eventos corporativos que um teatro - uma estrutura frequentada pelos acionistas do capital financeiro de São Paulo. A simbologia representada pelo Tucarena está em seu extremo oposto: o saguão do teatro tem um memorial permanente homenageando estudantes que foram assassinados pela ditadura militar brasileira. O TUCA surgiu como o auditório de uma universidade, mas ganhou seu nome graças ao grupo de teatro universitário que ocupou o espaço com a preocupação de trazer arte e cultura para a população de baixa renda da cidade. Inaugurado em 1965, não demorou muito para que o espaço fosse palco de manifestações contra a ditadura.
A localização dos teatros, o público que os frequenta e suas representações simbólicas condicionam a recepção do espetáculo. Na Faria Lima, Realpolitik serve como um espelho: os atores relatam que o personagem do CEO seria facilmente contratado por algum headhunter da região. No Tucarena, hoje em dia frequentado por um público mais idoso e intelectualizado, a peça soa como uma denúncia; com o público concordando com a importância e necessidade de responsabilizar a mineradora, ainda que discordem dos métodos do jornalista.
Enquanto o CEO compara a mineração como sendo os ossos da sociedade (sem aço, é impossível construir edifícios como o B32 ou o Tucarena), o jornalista tem suas motivações. Algumas um tanto melodramáticas e clichês: ele descobriu um câncer de pâncreas que irá matá-lo em breve, com metástases espalhadas por seus ossos. Outras mais significativas: seu trabalho enquanto repórter do mundo financeiro serviu para justificar eventos como a quebra da barragem - reportados sempre como um “acidente”, uma “tragédia”, enfim eufemismos para o que de fato ocorreu: um crime ambiental e social. Os personagens penetram a discussão do valor das vidas humanas: a morte de 150 mineradores vale mais do que os milhões de funcionários da empresa e toda a economia que sua atividade faz girar? Quem é mais valioso, monetariamente falando: um CEO ou um minerador? Essa valoração é justa?
Mesmo diante de uma arma, mesmo prestes a ser explodido junto com o edifício, o CEO não deixa para trás suas convicções no sistema capitalista como a única forma de manter a sociedade em pé. Aliás, muito pelo contrário, ele radicaliza seu discurso a cada minuto. Assim, é importante que os espectadores não se enganem: eles estão diante de um fascista. Apoiar seu discurso é ser conivente com a manutenção de um sistema extrativista desenfreado que só levará ao esgotamento do mundo em que vivemos, é se incluir como uma das varas que compõem este machado. Realpolitik nos oferece um questionamento: Como frear o fascismo? O transcorrer do espetáculo aponta para uma impossibilidade do diálogo. Será que uma explosão é a única saída? Me diga você. Enquanto isso, vale trazer a memória o assassinato de Brian Thompson, CEO da United HealthCare, uma coorporação de seguros de saúde; e, enquanto um homem gay, também quero te lembrar que os (poucos) direitos da minha comunidade só foram conquistados depois que tijolos foram lançados contra policiais. Não estou te dando ideias, longe de mim…
“Realpolitik” iniciou sua temporada no Tucarena no dia 14 de março e permaneceu em cartaz até 13 de abril.
RESTINGA DE CANUDOS (2025), de Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante [Cia do Tijolo]
O novo espetáculo da Cia do Tijolo traz para o palco um outro olhar para a história da comunidade que viveu em Belo Monte, cidade da Bahia também conhecida como Canudos. Eternizada pelo livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, a história que mais repercutiu sobre aquela ocupação foi a do massacre de seu povo e a destruição da cidade promovidos pelo exército da recém nascida República Brasileira. Em sua versão da história, a companhia optou por dar destaque ao povo que decidiu morar ali e, juntos, formar uma comunidade.
Restinga de Canudos é permeado por diversos episódios que caracterizam as pessoas que viveram naquele povoado e como eles faziam para oferecer resistência tanto ao Império como, depois, para a repressão da República. Ainda que o destaque seja o coletivo, o espetáculo traz figuras como os próprios Euclides da Cunha (Rodrigo Mercadante) e Antônio Conselheiro (Dinho Lima Flor, também o diretor da peça) para dialogarem com os espectadores. Ao lado deles, duas professoras (Karen Menatti e Odília Nunes) enquadram o espetáculo com suas aulas nas quais elas trazem contextualizações sobre o que possibilitou o surgimento daquele assentamento.
O espetáculo procura questionar as noções vigentes que se tem sobre aquele povoado, caracterizando-o como uma verdadeira comuna: quem ali vivia não era simplesmente um fanático religioso e monarquista, mas pessoas em busca de condições mais igualitárias e dignas para viver; era um povo de origens e características diversas. Ao mesmo tempo, Restinga de Canudos também revisa o cânone deixado por Euclides: valorizado por seu grande feito literário, por ser o único documento deixado sobre o massacre e por denunciá-lo como um verdadeiro crime; ao mesmo tempo em que se reconhece um teor eugenista em sua descrição do sertanejo e em uma condescendência para com aquele povo com base em uma intolerância religiosa.
“Restinga de Canudos” esteve em cartaz no Sesc Belenzinho entre os dias 14 de março a 27 de abril.
TRÊS MULHERES ALTAS (1991), de Edward Albee
Uma das peças mais conhecidas de Edward Albee, Três Mulheres Altas foi apresentada pela primeira vez no Teatro Inglês de Vienna, na Áustria, em 1991. Desde então, suas diversas montagens reuniram grandes atrizes das cenas teatrais nas quais foi montado. Em sua primeira montagem estadunidense, ocorrida em 1994 no Off-Broadway, o elenco era formado por Myra Carter, Marian Seldes e Jordan Barker. Já na Inglaterra, em 1994, seu primeiro elenco foi formado por Maggie Smith, Frances de la Tour e Anastasia Hille. A estreia na Broadway ocorreu apenas em 2018, com Glenda Jackson, Laurie Metcalf e Allison Pill. A primeira montagem brasileira da peça ocorreu em abril de 1995 e foi dirigida por José Possi Neto e trazia no elenco Beatriz Segall, Nathália Timberg e uma jovem Marisa Orth.
A segunda montagem brasileira estreou em agosto de 2022 no Rio de Janeiro e está atualmente em cartaz no Teatro Bravos. Dirigida por Fernando Philbert, ela traz em seu elenco Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill. As personagens da peça não possuem nomes, são referidas simplesmente por A, B e C. O enredo gira em torno de A (Suely), uma senhora de 92 anos com uma saúde bastante debilitada e próxima da senilidade. Ela é cuidada por B (Deborah), uma mulher de 52 anos que também atua como sua assistente pessoal. B precisa fazer a mediação entre A e C, uma jovem advogada de 26 anos que veio até a residência de A para resolver alguns imbróglios legais. Durante o primeiro ato, A tenta relembrar episódios de sua vida com muita dificuldade e embaralhando alguns fatos, enquanto seu corpo já dá sinais de fragilidade. O primeiro ato se encerra com A sofrendo um ataque cardíaco e, ao retornarmos para o segundo ato imaginamos que a cena começa poucos minutos após o final do primeiro ato. Aos poucos, entendemos que as três mulheres em cena se fundiram em uma única personalidade, mais precisamente a personalidade de A que, agora em coma, repassa os momentos de sua vida e procura entender as transformações que sua personalidade sofreu com o passar dos anos.
As peças do dramaturgo estadunidense versavam sobre a hipocrisia e os preconceitos das classes sociais mais altas – tanto uma classe média intelectualizada, quanto das elites. Seus personagens parecem deslocados e desiludidos, em especial com relação à instituição Família. Três Mulheres Altas retrata a vida de uma mulher ressentida; alguém que ascendeu socialmente e que não esconde seu racismo, mas de alguma forma batalha contra sua própria homofobia.
O primeiro ato explora os temas da mortalidade e da velhice, ilustrando as dificuldades que vão se apresentando ao atingir determinada idade. Além da saúde corporal ficar fragilizada, há uma dificuldade em manter-se autônomo nessa fase da vida. Ao mesmo tempo as memórias possuem uma carga mais pesada: por mais que algumas acabem escapando, outras voltam com um sabor amargo se forem representantes de situações mal resolvidas. A peça também mostra o olhar cruel que a sociedade dirige para pessoas idosas, em especial as mulheres, ao colocar a C do segundo ato se recusando a acreditar que irá se transformar naquela mulher frágil e desagradável que está deitada na cama.
A partir da sobreposição dos tempos, o tema central de Três Mulheres Altas se torna evidente no segundo ato: a investigação da personalidade feminina e as mudanças que ela sofre no decorrer da vida. É interessante reparar que as razões para a infelicidade de A (e, por consequência, suas versões mais jovens) estão localizadas no seu casamento e também na maternidade - dois momentos que a sociedade denominou como sendo os marcos na vida de uma mulher. Marcos sem os quais não se é uma mulher completa. Nestes dois âmbitos A acabou falhando: seu marido era infiel, ela mesma o havia traído; ela também nunca teve plena aceitação por parte dos familiares dele. E quanto a seu filho, ela o havia renegado por conta de sua sexualidade e seu estilo de vida descompromissado, fazendo com que ambos passassem longos anos sem se encontrarem ou sem trocar uma única palavra.
Não é à toa que Suely Franco domine o primeiro ato, enquanto Deborah Evelyn ganhe destaque no segundo. Seja porque A é a figura centralizadora da conversa, seja porque foi entre os 40 e 50 anos de idade (fase interpretada por Deborah) que seu casamento e relacionamento com o filho acabam se despedaçando. Apesar de sua personagem ser uma mulher difícil, Suely cativa o espectador com sua vasta experiência em comédia e seu carisma. Já Deborah, por outro lado, faz uma execução mais sóbria: equilibrando momentos de grande angústia (por exemplo, ao descrever o desentendimento com o filho) com passagens de contentamento e satisfação – uma vez que sua personagem entende que aquela seria a melhor fase de sua vida.
SERVIÇO
Onde? Teatro Bravos - Instituto Tomie Ohtake (R. Coropé, 88 - Pinheiros, SP)
Que dias? Quinta a sábado às 20h e domingo às 17h
Até quando? 11 de maio.
Quanto custa? R$ 160,00 (Plateia Premium - inteira); R$ 140,00 (Plateia Inferior); e R$ 39,60 (Balcão)
Onde posso comprar os ingressos? No Sympla ou na bilheteria do teatro (aberta de terça à domingo das 13h às 19h ou até o início do último espetáculo).

🟢 Textos sobre Teatro publicados na Revista Galérica
O futuro da arte também é indígena Ailton Krenak e Cibele Forjaz revisitam a ópera “Il Guarany” de Carlos Gomes, trazendo os povos indígenas para o palco do Theatro Municipal de São Paulo
Até a próxima! 👋
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